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DO PENSAMENTO À LINGUAGEM
ou da arquitetura como estrutura à arquitetura como sistema


O DESENHO COMO PROCESSO SINTÉTICO
A crescente complexidade dos problemas com que se defronta a arquitetura é proporcional à crescente complexidade da informação confrontada por um alto grau de entropia desorganizadora. Frente a essa mudança acelerada é preciso compreender o processo de criação do projeto através da proposição de um método analítico que permita interpretar as questões e os problemas de projeto na sua consecução especulativa, no processo de projetar e ao mesmo tempo tentar, através dele, alcançar a melhor solução projetual. As afirmações acima resumem as linhas gerais da tese de Christopher Alexander em seu Ensaio sobre a síntese da forma [1969], sua tese de doutorado, publicada originalmente em 1966, mesmo ano da publicação de Complexidade e contradição [1995] de Venturi. Nas primeiras linhas da introdução, ele define sua principal preocupação:

“Estas notas se referem ao processo de desenho, ou seja, o processo de invenção de coisas físicas que exibem uma nova ordem física, uma organização e forma novas, em resposta à função”. [ALEXANDER, 1969: 9]

Que atualmente o primeiro, que no título original em inglês traz a humilde designação de notas – Notes on the synthesis of form, raramente seja lembrado ou mencionado, enquanto que o segundo seja considerado como um tratado, talvez o mais importante escrito sobre a criação e a produção da arquitetura desde Por uma arquitetura [2002] de Corbusier, como diz Scully na introdução do livro de Venturi, é sintomático. Os dois partem da mesma constatação da complexidade do fato arquitetônico e da mesma estratégia de decomposição do objeto arquitetônico em seus elementos. Entretanto, Venturi elabora sua teoria sobre a revisão do passado, perfazendo uma análise sincrônica de obras de arquitetura para tecer uma crítica ao racionalismo e ao funcionalismo que, reducionistas, impedem a inclusão da contradição e da complexidade em suas realizações; ao passo que Alexander formaliza suas idéias confrontando a atualidade, questionando a continuidade do pensamento moderno cristalizado que se nega a reconhecer e a enfrentar a emergência de uma nova racionalidade que traz consigo a possibilidade de novas formas de projetar.

A síntese da forma é uma crítica à resposta confortável dos arquitetos frente às transformações de sua época sempre procurando uma zona de segurança. Dessa maneira, o Renascimento resgata a linguagem clássica para se apoiar sobre uma regra de correção que os desobrigava das responsabilidades de responder diretamente aos problemas da época ao impor a cópia exata. Aos arquitetos se faz necessário enfrentar as mudanças que conformam os problemas da atualidade, assim como fizeram Gropius e Corbusier com a industrialização e a máquina. A época atual, segundo Alexander, solicita compreender os processos sistêmicos, reconhecendo as forças que incidem sobre a expansão da capacidade intelectual e inventiva [ALEXANDER, 1969: 15-18].

Alexander parte do princípio de que o objetivo final de todo projeto é a forma e que esta se define pela relação com o contexto. A forma é um diagrama de forças das irregularidades [ALEXANDER, 1969: 21]. Assim, supõe que é possível atingir a definição da forma ou do projeto, do objeto ou do espaço, através de formalizações lógico-matemáticas que contemplem tal relação. Sua tese subentende a matemática como ciência que se ocupa dos problemas de ordem e das relações e que a lógica seria uma ferramenta para tomar as informações da realidade e representá-las por abstrações.

O programa moderno, definidor do caráter funcional do espaço segundo necessidades específicas, se transmuta em programa de desenho, ‘processo de invenção’, que contém as instruções para resolver o problema colocado para um projeto específico. O problema bem formulado que traz todos os dados para se atingir a melhor solução [ARGAN, 2002: 265-266] se renova na decomposição precisa de elementos traduzidos em informação simbólica e corresponde a uma equação corretamente formalizada. Esse programa é, a um só tempo, processo analítico que pretende conter o conjunto de variáveis que condicionam o projeto e processo sintético, a concepção do projeto, a síntese da forma [ALEXANDER, 1969: 75-84].

A formulação do programa de desenho de Alexander traduz o pensamento diagramático das imagens mentais, os croquis, em equações, diagramas matemáticos, organizadas num conjunto ordenado. Na consecução do projeto, na síntese da forma, o conjunto deriva subsistemas cada vez mais complexos à medida que se aproximam da melhor resposta ao problema de partida. O resultado é o que ele chama de diagrama construtivo, uma hipótese que representa aspectos da organização do espaço em relação à qualidade formal, constituindo um conjunto de forças relacional, a forma. O conjunto é sempre provisório, pois as relações entre contexto, forma e experimentação geram a tensão que provoca alterações à medida em que se desenrola a atividade especulativa, num processo de tentativa, erro e acerto, em busca da síntese da forma. É preciso conhecer esse processo, dominá-lo conscientemente. [ALEXANDER, 1969: 85-94].

O FIM DA TRANSCENDÊNCIA
A teoria dos conjuntos sobre a qual trabalha Alexander encontra-se na corrente da formalização e matematização da lógica que desembocou na lógica de Boole e postula a transformação das proposições em equações. A lógica de Boole consiste na determinação de classes, um conjunto de objetos com qualidades comuns em correlação constante de predicados, as qualidades que definem os objetos da classe. O predicado é uma relação entre duas variáveis, chamada função. Daí a formulação evolui para a relação entre dois ou mais conjuntos, donde prevalece a relação binária que abre caminho para a linguagem simbólica dos algoritmos. Esses podem ser definidos como instruções em linguagem matemática [CHAUÍ, 2002: 179-204].

É importante notar que a matemática sempre esteve presente na ideação do projeto arquitetônico, nos processos de concepção da forma e na construção do espaço, do Renascimento com as representações calculadas da perspectiva e nas relações harmônicas dos sistemas proporcionais postos em ordens, passando pelos séculos XVII e XVIII e a transformação da geometria como pensamento simbólico e transcendente para sua utilização como instrumento tecnológico positivista [PEREZ-GOMEZ, 1980: 159-247; 389-468]. Entretanto, segundo Alberto Perez-Gomez, o racionalismo tende a despir essa presença de qualquer significado transcendente, reduzindo-a a mera função, no sentido matemático.

Essa funcionalização da arquitetura evolui desde o Renascimento e vai se configurando até o século XIX, com Durand (1760-1834). Em seu Compêndio de lições de arquitetura, manual de suas aulas na Escola Politécnica de Paris, publicado em 1805, Jean-Nicolas-Louis Durand catalogava os elementos que compunham os edifícios, segundo os materiais adequados e segundo a forma e a proporção necessária. Também indicava como esses elementos deveriam ser combinados entre si, formando as partes do edifício e por fim recomendava as normas para combinar as partes e compor o conjunto do edifício.

Assim, tanto o processo de criação como a arquitetura estavam reduzidos a combinações formais auto-referentes e sua concepção e representação se apoiavam na geometria descritiva de Monge, simplificando a expressão ao bidimensional e ao traço nítido da linha delgada e precisa. Perez-Gomez reputa a Durand as bases da arquitetura da revolução industrial e conseqüentemente das obras de vanguarda concebidas nos primeiros dois decênios do século XX [PEREZ-GOMEZ, 1980: 429-442].

“A suposição de que a arquitetura pode derivar seu significado a partir do funcionalismo, de jogos de combinação formal, de coerência ou racionalidade, do uso de tipos como estrutura generativa marca o desenvolvimento da arquitetura ocidental ao longo dos últimos dois séculos. Essa suposição implica na funcionalização ou algebrização da teoria da arquitetura como um todo”. [PEREZ-GOMEZ, 1983: 4]

As bases matemáticas do programa de Alexander para a concepção do projeto podem aparentar uma contradição frente à sua própria hipótese do diagrama. É necessário lembrar que o diagrama na definição de Peirce surge do raciocínio matemático que configura hipóteses a partir da relação entre partes, entre partes e todo. Esse movimento em direção a numerização do pensamento através da elaboração de algoritmos remete a computação, a informática e ao processamento digital da informação e vai formar um todo sistêmico com os processos analógicos, com a criação analógica, com o pensamento diagramático. Essa contradição é parte integrante dessa complexidade e Alexander parece ter clareza quanto a arquitetura ser um sistema de relações dinâmicas, contínuas e complexas. Essa base relacional se instala entre a concepção e a construção, entre processo analítico e processo gerador [ALEXANDER, 1972].

A GÊNESE DA ESTRUTURA NO CERNE DO SISTEMA
No bojo do desejo de ordem matemática do moderno, na sua determinação funcional expressa na síntese estrutural, também está a negação de complexidades emergentes. No sentido de controlar a manifestação das complexidades inerentes à evolução histórica da ciência e da cultura é que o moderno apela para a lógica determinista e linear. O plano teleológico, o movimento em direção a um objetivo especificado garante o impulso racional para o progresso do projeto moderno. A máquina, a linha de montagem, os standarts, o programa e as formas puras da arquitetura são as respostas mais elaboradas para o processo entrópico da própria arquitetura enquanto sistema. Fugindo à essência sistêmica, brotou a estrutura que dominou a racionalidade arquitetônica moderna. Porém, essa racionalidade estruturada contém o germe do pensamento sistêmico.

No decorrer do século XX, os conceitos de estrutura e sistema receberam conotações diferentes e abordagens diversas, no mais das vezes tornando-se difícil defini-los, sem confundi-los. Dependendo do campo do conhecimento e do período em que se aplicam, as definições de estrutura incluem o termo sistema em sua explicação, ao mesmo tempo em que para compreensão de sistema recorre-se à noção de estrutura.

Pode-se ilustrar a confusão partindo da lingüística de Saussure e as interpretações e desenvolvimentos posteriores à publicação póstuma de seu Curso de Lingüística Geral em 1916 [SAUSSURE, 1970]. Se a análise do Curso de Saussure permite dizer que ele é estruturalista antes do termo, uma vez que não o concebe, é também lícito supor que o é em relação ao pensamento sistêmico. Sua definição de língua como:

“sistema de signos onde o essencial é a união do som e do sentido” [SAUSSURE, 1970: 23],

pode ser desenvolvida como sistema de sinais em que as partes devem ser consideradas em sua solidariedade sincrônica. A língua é, sobretudo, forma e suas unidades só adquirem sentido ao entrarem em relação e dessas relações deriva o conteúdo. O essencial para Saussure é a idéia de sistema. De certo modo é contraditório que seja considerado e tomado como precursor do estruturalismo sem ser precursor do uso do termo estrutura [BENVENISTE, 1971: 23-31].

Procurando sintetizar a definição de Saussure, pode-se dizer que a língua é um instrumento de pensamento que articula som e sentido, abarcando as dimensões individual e social, configurando um sistema estabelecido e em constante evolução, mantendo relação intrínseca com outros campos da ciência [SAUSSURE, 1970: 15-25]. Em outras palavras, a língua é um sistema relacional rigorosamente organizado em unidades precisas e combináveis em grande variedade e diversidade. Essa complexidade exige estabelecer o diálogo entre os eixos de simultaneidade e sucessão [SAUSSURE, 1970: 95-96; 142-147]. Segundo Piaget, a língua para Saussure é um sistema sincrônico e relacional que opera por distinções e oposições [PIAGET, 1974: 62-63].

Como mostra Roger Bastide, o termo estrutura faz parte do vocabulário científico e se aplica a diferentes usos de acordo com cada época. Assim, na origem latina do verbo struere, construir, a derivação structura designa o modo como está construído o edifício. A partir dessa raiz, o termo é adotado para indicar o conjunto ou as partes do conjunto ou ainda a relação dessas partes entre si. Essa acepção expande-se por analogia, ao estudo do homem, do seu corpo e de suas obras. O termo é aplicado em sociologia, em economia, em psicologia e em matemática. Surgem derivados do termo como macro e micro, infra e super, a designação de processos como reestruturação e as dificuldades em distinguir estrutura de sistema, forma, modelo e organização, palavras que adquirem significados diferentes conforme as circunstâncias de tempo e lugar [BASTIDE, 1971: 1-9].

De fato, as várias definições de estrutura se aproximam da definição de Saussure de língua como sistema. E a noção de estrutura usa com freqüência o termo sistema como parte de sua explicação. Na psicologia da Gestalt, a estrutura é um todo constituído de fenômenos solidários interdependentes, definidos pela relação entre si. Em matemática, na teoria dos modelos, a estrutura é um sistema bem especificado de relações que descrevem o fenômeno. No Círculo lingüístico de Praga, estrutura designa uma relação dentro do sistema, que pode ser caracterizado por específicas relações entre partes que traçam o esquema da estrutura [BASTIDE, 1971: 1-9].

ESTRUTURA COMO SISTEMA EM TRANSFORMAÇÃO
Com o passar dos anos e com o alargamento da adoção da idéia de estrutura pelas várias ciências, o sentido da palavra evolui até o adjetivo estrutural que por sua vez leva ao estruturalismo como forma de pensamento. Quando o Estruturalismo toma a lingüística de Saussure como referência epistemológica e metodológica, ao que parece, baseia-se no corte sincrônico que permite suspender o objeto do contínuo do tempo sem isolá-lo de seu contexto e na possibilidade de enxergá-lo como totalidade na interdependência de suas partes. Essa abordagem possibilitaria comparar e aproximar diferenças e, nessas relações e combinações, detectar tanto as invariâncias como as transformações que estabelecem as diversas variantes. Os resultados de análises dessa natureza podem ser simplificados em modelos abstratos, reproduzíveis e aplicáveis a diversos campos de estudo.

Para o estruturalismo, a estrutura, idealmente, se basta a si própria e se auto-explica, não necessitando recorrer a recursos estranhos à sua natureza para ser apreendida. Segundo Piaget, que procura circunscrever as muitas acepções do estruturalismo segundo cada ciência, a estrutura é um sistema de transformações que comporta leis enquanto sistema e compreende os caracteres de totalidade, de transformação e de auto-regulação [PIAGET, 1974: 8-9]. Essa definição demonstra que estrutura e estruturalismo sofreram uma distensão para poder agasalhar sob seu manto as mais diversas áreas.

É importante frisar que a ciência que pretende utilizar a estrutura para explicar o mundo contém em sua gênese a idéia de sistema. Para o seu mais proeminente representante, Claude Lévi-Strauss, que se confunde com o próprio estruturalismo, a estrutura é o próprio conteúdo. A forma e o conteúdo perfazem um todo único e indivisível e as estruturas do conteúdo instituem uma única e possível relação formal [FERRARA, 1981: 6]. Para Lévi-Strauss, a estrutura deve atender a duas condições: primeiro, deve ser uma relação regida por uma coesão interna e, segundo, essa coesão deve revelar-se no estudo de suas transformações que permitirão encontrar propriedades similares em estruturas diferentes na aparência [LIMA, 1968]. Assim, a estrutura é o conjunto de relações latente no objeto, ou de relações possíveis entre objetos distintos. A relação está latente nos objetos, pois se baseia em modelos abstratos.

Aqui se encontra a distinção do conceito de sistema na concepção de estrutura. Como para Lévi-Strauss a estrutura é o conjunto de relações latente nos objetos, todas as possibilidades dessas relações podem ser reduzidas a estruturas mentais, abstrações, modelos, pois são nada mais do que modalidades temporais de leis universais [BASTIDE, 1971: 8-9]. O modelo, para ele, guarda as propriedades que caracterizam a experiência, mas difere dela por ser manipulável enquanto dado [LIMA, 1968: 58]. Lévi-Strauss construiu seus modelos estruturais baseando-se diretamente na álgebra, especialmente na teoria dos conjuntos de Boole, a álgebra booleana, por suas propriedades relacionais e suas possibilidades de transformação [PIAGET, 1974: 18-19; LÉVI-STRAUSS, 1984: 199].

Assim, se o estruturalismo permite definir estrutura como conjunto total de transformações auto-reguladas, poder-se-ia supor que o organismo é então o protótipo da estrutura, que conhecido a fundo, forneceria a chave do estruturalismo [PIAGET, 1974: 39]. Porém, a racionalidade que constrói o modelo estrutural como se contemplasse a organicidade de um sistema, se distingue do organismo enquanto concepção e, portanto, se distingue de organização, uma vez que esta é a constituição real do organismo [BASTIDE, 1971: 9].

Essa longa digressão necessária por certo não esclarece a origem de uma nova racionalidade no decurso da evolução da razão vigente. Também não explica como o estrutural contém o sistêmico e o engendra. Mas ressalta a latência de um na essência do outro, assenta e diferencia os principais termos, aborda os conceitos fundamentais que constituem essa mudança. E, sobretudo, procura demonstrar que a razão estruturada conforma esse modelo se reduz, mesmo admitindo transformações à essência estática de uma estrutura. Agora é possível investigar as possíveis raízes do sistêmico como conceito constituinte de uma nova racionalidade.

AS RAÍZES DO PENSAMENTO SISTÊMICO
Ao procurar circunscrever o conceito de sistema que está na fundação de uma racionalidade que se apóia na dinâmica evolutiva da razão, emergem outros conceitos antes submersos na estaticidade da estrutura. Como aponta Edgar Morin no primeiro volume de seu Método [2002], o conceito de sistema já aparecia em Galileu e não pode ser estudado até a metade do século XX devido ao predomínio de um pensamento isolante e dissociativo. O sistema como estrutura adere a cada matéria e disciplina e não permite vislumbrar possíveis diferenças de natureza [MORIN, 2002: 127-132]. Morin encontra em Saussure o que considera como a definição mais clara e abrangente de sistema, pois faz surgir os conceitos de organização e relação:

“Sistema é uma totalidade organizada feita de elementos solidários só podendo ser definidos uns em relação aos outros em função de seu lugar nessa totalidade”. [MORIN, 2002: 131]

Contudo, é em outra obra que Morin traça o que se pode considerar como possível diagrama matriz do conceito de sistêmico, do pensamento sistêmico, ou do sistêmico como pressuposto e chave para a compreensão de mundo que passa a emergir a partir da segunda metade do século XX. Na procura por decifrar a inexorável evolução que a abaladora teoria de Darwin despe das vestes do caráter teleológico, [KUHN, 2000: 214-215], Morin desenha O enigma do homem [1979] como permanente movimento espiral entre a natureza e a compreensão de sua gênese e a invenção da cultura e sua constante atualização.

Assim, com o fim da separação entre química, física e biologia torna-se possível perceber que a matéria é constituída por elementos físico-químicos. Esse movimento possibilita transformar a noção de vida e a compreensão da gênese do homem como organismo vivo. Está aberto o caminho para o desenvolvimento da biologia molecular e para a descoberta do código genético, que permitem definir a matéria viva como sistema. A relação da biologia com a física e a química promove uma reconciliação com as formas de organização metabiológicas, como a máquina e a sociedade [MORIN, 1979: 2-28].

Essa abertura da biologia a faz recorrer a outras teorias como a cibernética de Wiener e a teoria da informação de Shannon, na busca por explicar o jogo de combinações e interações baseado em regras estatisticamente improváveis e inerentes a organização dos sistemas vivos. Passa a fazer parte do vocabulário biológico conceitos de caráter cibernético como informação, código, programa e organização. Torna-se possível aplicar a idéia de máquina à unidade fundamental da vida, uma vez que a célula se aproxima da máquina controlada pela informação, permitindo recolocar o segundo princípio da termodinâmica como essencial à organização viva e diferenciador da organização artificial.

Na teoria dos automatas, Von Neumann afirma que a organização artificial da máquina é degenerativa, qualquer desordem pode alterar o sistema sem que se possa recuperá-lo, ao passo que para a organização viva, o acaso e a indeterminação, o aumento da desordem, são fatores de organização, embora mais complexa. Para o organismo, a ordem informacional que se forma no tempo contradiz o princípio de desordem que se difunde. O sistema admite a relação contraditória da ordem com a desordem, num processo de reorganização permanente em que a entropia aumenta a sua complexidade.

Paralela e simultaneamente à compreensão da face biológica, a outra parte dessa organização sistêmica e relacional que abarca a biologia e a cultura como dois aspectos relacionados e interferentes, está na gênese social do homem. A sociedade, a organização social se fundam na contradição entre autonomia e dependência do homem com o ambiente. Configura-se um eco-sistema como totalidade auto-organizada, constituído por associações, conflitos, hierarquias e solidariedades. O ecossistema é co-organizador do ser vivo que o habita, alimentando-o de informação, e vice-versa. Assim, um sistema é co-organizador de outro sistema a ele integrado, constituindo uma relação calcada na diversidade de relações contraditórias, porém possíveis de integração. A sociedade como sistema, se mantém emancipada e autônoma na relação de dependência com o ambiente [MORIN, 1979: 69-84].

Esse confronto sistêmico, complexo e relacional entre sistemas, entre homem e ambiente, entre sociedade e ecossistema, exige a necessária elaboração de um conjunto de regras de organização e de modelos de comportamento que devem ser transmitidos, ensinados, apreendidos e reproduzidos para poder perpetuar-se e, ao mesmo tempo, perpetuar a complexidade social. A cultura é, assim, um capital organizacional e uma matriz informacional de caráter dinâmico, num movimento entrópico com outros sistemas [MORIN, 1979: 85-93].

A desordem resultante de um processo entrópico é ambígua. Pode ser constituinte da ordem, mas, por outro lado, pode permanecer como desordem, ameaça de desintegração. A ameaça mantida pela desordem é o que força a reorganização permanente geradora de complexidade. A complexidade reside na contradição da desordem que induz à organização. A contradição é condição da complexidade e esse par é inerente à organização como sistema relacional [MORIN, 1979: 47].

Jencks [1997] recomenda uma série de critérios para a arquitetura que sofre a influência dessa tríade organização, sistema e relação e emerge das ciências que tratam da complexidade. Entre eles, sugere que a arquitetura olhe para as ciências da nova racionalidade no sentido de reencontrar a transcendência por elas revelada. A questão sobre a natureza da linguagem dessa arquitetura que compreende a desordem como contradição necessária para as soluções de organização do espaço, permanece em debate [JENCKS, 1997: 167-169; 43-46]. Entretanto, Julio Plaza [1987] infere, a partir de Valéry, que é a complexidade da linguagem que propicia alcançar novas possibilidades de invenção estética. A desordem é condição dos processos criativos, como ressalta Plaza ao citar Paul Valéry:
“A desordem é essencial à criação enquanto essa se define por uma certa ordem”. [PLAZA, 1987: 43]

A ESTRUTURA RELACIONAL E SISTÊMICA DA ORGANIZAÇÃO
No âmago da relação umbilical entre os conceitos de sistema e estrutura e das formas de pensamento decorrentes residem seus elementos diferenciadores. A cultura que agrega valores capitais para o estabelecimento da organização, que se caracteriza como informação criadora e reprodutora, pressupõe o movimento dinâmico e indeterminado do acaso, exigindo uma postura diferente para a produção do conhecimento, da ciência e da arte.

Porém, para o Moderno, a evolução do conhecimento exige que a informação seja cada vez mais apurada, qualidade que reside na invariância. Há um deslocamento do par clássico coisas e suas propriedades para o par, moderno, estruturas e suas funções. A coisa, o objeto que não varia, é estrutura e a propriedade que permanece inalterada torna-se função. O conhecimento e sua produção estariam, segundo essa concepção moderna, na articulação de estruturas e funções invariantes que, apesar de calcada no desejo de absorver em si o movimento, ainda precisa se basear em modelos abstratos, ou seja, estruturas estáticas [BENSE, 1975: 165-167]. Seria possível supor que o conhecimento passa a ser produzido mesmo e apesar das imprecisões da informação e das ambigüidades decorrentes e exatamente nesse aspecto encontra suas qualidades. O conhecimento e sua produção superam a articulação que remete à inalterabilidade da estrutura, em direção a organização que contém em si a idéia de variação e movimento. Um novo deslocamento leva ao par sistema e suas relações e seu caráter está na sua dinamicidade constituinte.

Sob a malha conceitual do estruturalismo, articula-se o par antinômico e dicotômico forma e conteúdo que, para Levi-Strauss é traduzido como todo único da estrutura, o próprio conteúdo. Contudo, no deslocamento evolutivo dos conceitos, essa dinâmica que mistura funções e relações, que confunde estrutura e sistema, serve de germinação para outros conceitos frutos da modernidade que procura sempre pelo novo. Assim, do interior do moderno, de suas estruturas mais específicas, desponta o impulso de superação da dualidade estática e funcionalista, propondo a compreensão da obra como todo orgânico, fruto de específicos procedimentos sobre o material e perfaz seu significado na dinâmica relacional.

Já é bastante conhecida e debatida, especialmente nos meandros da literatura, a polêmica entre Levi-Strauss e Vladimir Propp, que opôs estruturalismo e formalismo. O estruturalista francês imputava a Propp a responsabilidade por opor forma e conteúdo. Em sua Morfologia do conto maravilhoso, extenso estudo sobre os contos populares, seu enredo, narrativa e personagens, Propp [1984a] detecta um tratamento específico da linguagem literária. Entre as décadas de 1950 e 60, ao ser divulgada em outras línguas, a obra de Propp logo se torna referência para estudos da literatura.

Algumas dessas edições trazem o debate travado entre os dois, como é o caso da edição brasileira de 1984, que traz o texto de Levi-Strauss [1984], A estrutura e a forma, em que apesar de reconhecer o valor antecipador da obra de Propp [LEVI-STRAUSS, 1984: 190], procura definir a diferença entre o estruturalismo e o formalismo. O formalismo, segundo ele, separaria o conteúdo da forma, que teria a primazia sobre o conteúdo, apenas um resíduo sem significado, enquanto o estruturalismo consideraria forma e conteúdo como sendo da mesma natureza, passíveis da mesma análise. O conteúdo provém da estrutura e a forma seria a estruturação do conteúdo [LEVI-STRAUSS, 1984: 194]. A resposta de Propp, Estudo estrutural e histórico do conto de magia, diz que seu trabalho não pretendia abarcar toda a literatura, sendo um estudo bem localizado de um tipo de narrativa, sem pretensões de se transformar em modelo aplicável a outras modalidades. E, mais importante, dizia não compreender como o formalismo poderia separar o que, em seu estudo, aparecia como unidade indissolúvel, o enredo e o tratamento da linguagem, ou seja, conteúdo e forma [PROPP, 1984b: 219-220].

A polêmica entre Propp e Levi-Strauss reforça as aproximações e as diferenças entre conceitos como estrutura e sistema e proporciona o acesso à dupla material e procedimento, sem, contudo, oferecer a profundidade de seus desdobramentos. Assim como o estruturalismo, o formalismo também evoluiu e se transformou no decurso do tempo, ganhando novos contornos e diferentes interpretações.

A EXPERIÊNCIA RELACIONAL E DINÂMICA
O formalismo se desenvolveu na Rússia a partir de 1914, reunindo grupos de estudiosos principalmente da lingüística, com teses muito aproximadas, porém distintas do futurismo russo, com o qual muitas vezes se confundiu. Entretanto, suas teses e teorias não se restringiram às obras da literatura, estendendo-se às obras de arte em geral. A teoria formalista, muitas vezes entendida como método formalista, engendra um outro par, material e procedimento (priom), que se define, por um lado, pela rejeição da dicotomia forma e conteúdo e, por outro, pela singularidade da proposição da obra como organização resultante da relação dinâmica entre material e procedimento. A obra é um todo indissolúvel e o material contém a informação sobre o procedimento específico que lhe pode dar uma configuração estética. O significado se atualiza nessa relação dinâmica [FERRARA, 1981: 5-7; 31-44].

Ao explicar o formalismo como método, Eikhenbaum [1973: 43-69] ressalta que o formalismo tencionava criar uma ciência que partisse das qualidades intrínsecas dos materiais. A matéria seria eminentemente formal, não deveria ser confundida com os elementos e a forma resultaria de procedimentos singulares sobre ela. A obra como integridade dinâmica, dotada de desenvolvimento próprio, só seria percebida e compreendida em relação as demais obras, por oposição e paralelismo. A arte seria definida, portanto, como processo dinâmico e evolutivo dotado de variabilidade permanente. O conceito de evolução na teoria formalista foi delineado por Youri Tinianov [1973: 119-134]. Segundo ele, tanto as artes quanto as obras constituem sistemas e estudar a evolução da arte é trabalhar sobre matéria acumulada, num processo em que uma forma de arte nova, ou uma obra nova surge para substituir outra anterior. Essa novidade, ao mesmo tempo em que corrompe o já estabelecido, tem o poder de transformar. Nessa dinâmica evolutiva, propõe a análise da obra através da relação mútua de seus constituintes e, simultaneamente, em relação a outras obras semelhantes, diacrônica e sincronicamente, construindo uma análise relacional e dialógica.

Segundo as teorias formalistas, a obra deve ser deslocada do contexto social e histórico de sua produção, da influência da autoria, para centrar-se em si mesma, em suas qualidades sintáticas. O significado não se encontra no exterior, fora da obra em algum referente, mas na singularidade de sua organização. Nesse contexto, a relação entre material e procedimento tem papel preponderante. Assim como a linguagem poética encontra suas qualidades de ambigüidade na função poética de Jakobson [2001: 118-130], através da projeção, da superposição do princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação, a obra de arte encontra suas qualidades na sintaxe do tratamento específico dado ao material.

A BASE SINTÁTICA DO PROCESSO
Será Victor Chklóvski [1973a; 1973b] que, em 1929, num ensaio intitulado A arte como procedimento, dará contornos mais definitivos ao par material e procedimento. Segundo ele, é preciso construir, através da linguagem, um modo de formar inusitado que provocará circunstâncias singulares de percepção. O objeto, a obra, devem ser extraídos de seu contexto habitual, provocando um estranhamento, uma desautomatização, dificultando a percepção, transformada em confronto, duração. Quanto mais difícil a percepção, mais qualificada a recepção.

“A arte é feita para dar a sensação da coisa como coisa vista e não enquanto coisa reconhecida; o procedimento da arte é o procedimento da representação insólita das coisas, é o procedimento da forma confusa que aumenta a dificuldade e a duração da percepção, porque em arte o processo de percepção é um fim em si mesmo e deve ser prolongado; a arte é o modo de viver a coisa no processo de sua consecução, em arte aquilo que está feito não tem importância”. [CHKLOVSKI, 1973a: 16] *

O fazer da arte se concentra numa base sintática, na construção da linguagem como processo de pensamento. A inadequação entre linguagem e referente, provoca a apreensão de uma realidade complexa que solicita ver com outros olhos aquilo que é habitual. O significado está na relação entre a organização da obra e a ação de recepção. Nesse sentido, Ferrara resume:

“A arte deixou de ser comunicação de um significado para ser linguagem que se processa, que se estrutura e nisso engendra o seu significado. (. . .) O significado não é ou está, mas processa-se. Arte não é fruição, mas utilização, uso e posse. Ultrapassa-se os limites de um signo ou de uma cultura para se passar a defender o universo da linguagem e todo o conhecimento implícito no processo criador e na cognição humana”. [FERRARA, 1981: 43-44]

Recorde-se que Alexander adota em sua tese a lógica dos conjuntos em que esses são constituídos por elementos e por suas respectivas relações e correlações. Os elementos só ganham significação quando colocados em relação, qualquer alteração em um deles pode alterar todo o conjunto. Outra questão relevante na síntese da forma é a correspondência entre os problemas que norteiam o projeto e seu processo de criação em busca da melhor solução, em que o processo é determinante da organização. O processo é um sistema constituído por um par: a análise que constitui o próprio material traduzido em algoritmos que definem um procedimento específico e uma síntese da forma, o projeto.

Parece possível aproximar a tese de Alexander das teorias formalistas. Se a arte, em seu conjunto e em cada obra, a partir das teorias formalistas, pode ser encarada como linguagem que é processo de pensamento, tanto na instância de sua consecução como de sua recepção e que esta base está apoiada sobre a concepção da organização sistêmica e relacional, Alexander procura apropriar o pensamento por um sistema que engendra seus procedimentos sobre a própria matéria do pensamento. O ato de projetar parte de um sistema onde o material é o conjunto de variáveis possíveis computadas de antemão que, postas em relação, indica a melhor solução e sintetiza a forma.

O MATERIAL ENSINA O FAZER DA FORMA
Outras experiências podem fornecer exemplos para compreender a amplitude do par material e procedimento em seu sistema relacional dinâmico. O exemplo mais pertinente certamente é o concreto, material moderno por excelência. A primeira observação a ser feita sobre o concreto é que se trata de uma matéria em transformação dinâmica, que adquire sua configuração final mediante a utilização de uma forma. O concreto é uma organização sistêmica, produto da relação entre outros materiais combinados em doses precisas segundo cada caso. Sua constituição é eminentemente plástica, pastosa, moldável, quase líquida, portanto informe. Uma vez dominada por um molde, essa massa, quando seca, se apresentará com resistência construtiva e estrutural, como forma e estrutura. A plasticidade do material, informe, ensina que o procedimento necessário é construir, de antemão, seu negativo, seu receptáculo, seu molde, meta-forma. Sem essa potencialidade plástica do concreto, seria impossível realizar obras paradigmáticas do século XX. Corbusier não poderia ter concebido a estrutura Dom-ino, verdadeira hipótese posta em diagrama do desenvolvimento do pensamento estrutural modular moderno ou Ronchamp jamais poderia ter sido realizada sem a liberdade plástica dada pelo concreto. Os desenho de Niemeyer traduzidos em estruturas espaciais e os grandes vãos sobre apoios poeticamente mínimos da arquitetura moderna paulistana não poderiam ter se transformado em representantes significativos da moderna cultura arquitetônica brasileira.

Em movimento sincrônico, antes mesmo da formulação desses conceitos pelos formalistas, Gaudí, no final do século XIX, já operava seguindo essa relação entre matéria e procedimento. O caso mais evidente talvez seja a utilização dos arcos em catenária. Já se sabe que Gaudí utilizava largamente a construção de diagramas tridimensionais para testar suas soluções formais e estruturais complexas, que permitiam a alteração e a experimentação de outras hipóteses a partir da experiência. As catenárias são a forma adotada por uma corrente quando pendurada por dois pontos e suportando seu peso próprio. Sua forma pode ser alterada pendurando pesos ao longo do comprimento, transformando a catenária em arco funicular. A forma resultante possui a resistência necessária para vencer altura, comprimento e peso próprio. A singularidade de Gaudí está na construção de maquetes, verdadeiros sistemas abertos à investigação das possibilidades da linguagem arquitetônica, sobre as quais experimentava com a simplificação dos métodos de cálculo gráfico dos arcos que, na construção, trabalhariam outros materiais. Assim, um procedimento sobre o material, pendurar uma corrente, constitui a base sintática que se oferece à análise das formas mais adequadas [GÓMEZ-SERRANO, 2004: 158-167].

Além desse processo de projetar formalista, temos que as obras do arquiteto catalão exigem uma recepção longa, pois provocam uma sensação de estranhamento. Gaudí é contemporâneo de Sullivan e da escola de Chicago, que forjaram a arquitetura dos arranha-céus de estruturas em aço e concreto, mentores da máxima a forma segue a função. Chicago assiste ao florescimento da racionalidade estrutural e construtiva que, mais tarde, seria adotada como conceito fundamental do movimento moderno. Em Barcelona, Gaudí permanece fiel aos materiais tradicionais, mas leva-os aos seus limites enquanto possibilidade de organizá-los segundo sistemas construtivos sempre transformados através da forma inusitada [BUXADÉ & MARGARIT, 2004: 96-114]. A geometria para ele não serve para a funcionalização simplificadora do projeto e da arquitetura, mas sim como material diagramático, como hipótese sobre a qual aplicar procedimentos, operações, transformações, maclações. Sua arquitetura é repleta de analogias de toda a ordem, das formais às biológicas, utilizando um repertório pessoal sobre as possibilidades da cultura, à procura da forma complexa [ALSINA & GÓMEZ-SERRANO, 2004: 72-95].

DO PENSAMENTO À COMPUTAÇÃO
Parece inevitável que as teses de Alexander ao procurarem representar o processo de desenho, a atividade de projetar através da linguagem simbólica da lógica matemática, apontem para as questões da computação e, conseqüentemente, do uso dos recursos computacionais para projetar em arquitetura. O que também leva a considerar que, do formalismo à síntese da forma, emerge não apenas uma nova racionalidade, mas uma maneira de pensar onde o pensamento como processo, mediação e linguagem, é matéria para o procedimento e é procedimento sobre a matéria, na produção do conhecimento, no processo de cognição do estabelecimento da linguagem sobre a linguagem. Para Peirce, o pensamento só pode ser conhecido através de signos e, se há pensamento, há linguagem. O pensamento funciona numa cadeia infinita, em que um pensamento se traduz em outro, quase-signo em estado de formulação, que só poderá ser conhecido através da mediação da linguagem, da representação através de outros signos, no processo de semiose [PEIRCE, 1995: 269-273; PLAZA, 1987: 17-23].

Morin [1999: 45-48; 129-139] concebe a computação como complexo organizador e cognitivo constituído pelas instâncias informacional – suas operações utilizam a informação binária do tipo sim / não, simbólica – toda a informação é codificada e organizada segundos sistemas padrão, memorial – armazenamento da informação que pode ser recorrida e programática – os princípios e as instruções que regulam o funcionamento de todo o sistema. A operação essencial da linguagem computacional se baseia na dialógica binária do sim / não, do 0 e 1, do ligado e do separado, também configura o procedimento específico de análise (decomposição) e síntese (reunião), aproximando-se, através da linguagem, da estrutura dialógica do pensamento. Assim, a possível distinção entre pensar – suspender o juízo, analógica e cogitar – exercitar a razão, lógica, faz surgir um terceiro, computar, que serve e amplia as possibilidades da linguagem. O pensamento ganha nova dimensão e se agita entre o cogito cartesiano e o computo moriniano.

Seguindo essa vertente, a lógica da arquitetura congrega projeto, computação e cognição, e se concretiza nas experiências de William Mitchell [1990]. Na verdade, Mitchell está preocupado em clarificar uma teoria computacional aplicada à arquitetura, demonstrando como a computação pode participar da invenção do projeto, através da criação de linguagens formais. Em suas experimentações, práticas e teóricas, Mitchell leva às últimas conseqüências a possibilidade, apontada por Alexander, de traduzir a linguagem da arquitetura em linguagem lógico-matemática através da teoria dos conjuntos ou lógica dos predicados ou das relações.

Mitchell formula gramáticas que contém um vocabulário de formas e um elenco de regras para a operação sobre esses elementos formais, para os quais é possível associar certos predicados pré-definidos. O objetivo é fornecer o material para que o arquiteto encontre a melhor solução possível para determinado problema através de um procedimento especulativo de tentativa e erro. Esse problema tem que ser descrito em detalhes através de equações funcionais que possam servir de material que indique as melhores opções. Mitchell pretende demonstrar que toda a arquitetura se baseia em determinadas regras sintáticas aplicadas sobre determinados conjuntos de formas e que, através da decomposição, pode-se chegar a programas que contenham todas as possibilidades de síntese, por exemplo, de uma determinada classe de edifícios [MITCHELL, 1990: 179-181].

Vários são os exemplos dados por Mitchell para a aplicação prática dessa computação arquitetônica. Acompanhadas de descrição minuciosa e ilustrações, são demonstradas linguagens arquitetônicas computacionais baseadas em figuras trapezoidais, no compêndio de Durand e nas vilas de Palladio. Essa última ilustra a decomposição das plantas das vilas Palladianas e a compilação de suas variáveis, seus elementos, dimensões, soluções espaciais e outros dados que, tomados como vocabulário, se associam obedecendo a regras e instruções, segundo critérios colhidos nas próprias obras estudadas. Essa linguagem, assim como outras, contém o conhecimento necessário para desenhar todas as vilas de Palladio e ainda oferece a possibilidade de criar novas vilas segundo sua linguagem [MITCHELL, 1990: 152-179].

ALÉM DOS OLHOS DA MENTE
Tanto a Síntese da forma como A lógica da arquitetura transitam entre as formalizações lógicas da matemática que se convertem em linguagem simbólica na computação. A linguagem computacional utiliza recursos conhecidos e, em alguns casos tradicionais, como na música. A associação de regras a elementos e o estabelecimento de certas relações singulares expressas por símbolos fazem parte da linguagem musical e se conhece por notação. Um símbolo associado a uma nota musical indica uma certa duração e um certo tom, permitindo que a música seja lida, tocada e arranjada sem ambigüidades. A computação utiliza um sistema de notações simbólicas para determinar atributos e qualidades das operações derivadas da linguagem [McCULLOUGH, 1996: 85-96].

Esse recurso já havia sido experimentado em estruturas sintáticas por Noam Chomsky [1957] e procura, através da generalização, circunscrever a dinâmica constante do processo de criação da língua analisando a relação entre a sintaxe e a cognição. Sua visão é formalista, pois seu foco está na base sintática geradora de formas e, para dominar esse processo cognitivo, desenvolve um sistema de notações de regras transformacionais para gerar novas formas sintáticas ou estruturas sintáticas, como ele as designa. Portanto, o princípio adotado por Alexander e Mitchell, fruto da lógica, aplicado em música, investigado pela lingüística, está na raíz da computação, desde Turing e sua máquina universal que segue instruções para operar.

No bojo das propostas de Mitchell está presente a experiência radical da gramática da forma (shape grammars) de Stiny [1975; 1978; 1980], que teve início em torno de 1975 na mesma Califórnia que viu surgir o Silicon Valley, o computador pessoal, os chips, a computação gráfica e a internet, resultado de experiências inovadoras. O objetivo central dessa gramática é a implementação de programas gráficos para a arquitetura com base na linguagem da computação, num processo de metalinguagem e analogia onde arquitetura e computação se engendram uma à outra, num movimento dinâmico e dialógico. Partindo dessa gramática, Terry Knight [1981; 1989; 1994] desenvolveu, pelo caminho inverso, a aplicação da linguagem da computação sobre modelos tridimensionais, através da definição de conjuntos de vocabulários e regras aliados a um sistema de notação que permite criar linguagens arquitetônicas pela experimentação material da lógica abstrata do computador.

A associação do par formalista material e procedimento à tese de Alexander, à lógica de Mitchell e à gramática da forma de Knight, passando pelo pensamento como computação, leva inevitavelmente ao computador como organização sistêmica e relacional capaz de fazer convergir para si todas as possibilidades na sua virtualidade polissensorial, informatizada e digital. O computador como espaço das virtualidades, espaço da invenção e reinvenção, está construído sobre inúmeros conhecimentos sintetizados através das formalizações simbólicas, que se processam como linguagem, mediação e pensamento, produção de conhecimento sobre um material que é também procedimento.

Alexander trata a lógica matemática como matéria para a organização da arquitetura como linguagem, formulando uma teoria cujo sentido é revelar a potencialidade da máquina numérica de base digital. O computador sempre esteve implícito como espaço da experimentação do projeto, da especulação processual, da invenção dos procedimentos sintéticos. Se, no despertar do século XXI, a compreensão do papel dos computadores permanece limitada, por volta de 1960 as dificuldades eram exponencialmente maiores. Nesses anos, frente às dúvidas sobre o papel do computador para o processo de desenho do espaço, Alexander respondia com a necessidade de precedê-las com a pergunta sobre os problemas que requerem a máquina para serem resolvidos.

“Nesse momento o computador pode mostrar as alternativas que conhecemos. Esta não é uma limitação do computador, mas de nossa capacidade para conceber, em abstrato, outros campos alternativos relevantes. (. . .) É uma ironia que o mesmo instrumento inventado para diminuir as complexidades imponha aos problemas que o desenho pode resolver restrições tão severas que a mesma fonte de complexidade tem que ser eliminada antes da utilização do instrumento que deve elucidá-la. Contudo, nosso trabalho consiste em aprender as ver as complexidades atuais do desenho de um modo tão claro que poderemos usar uma máquina para decifrá-los.” [ALEXANDER, 1971: 9-15]

As mudanças decisivas nas ciências e nas artes ocorridas a partir da segunda metade do século XX começam a ganhar substância para a arquitetura com a introdução das tecnologias eletrônicas nos processos de representação e produção. Só com a chegada dos computadores, segundo Eisenman [1993], a arquitetura enfrenta o desafio de substituir a máquina mecânica como seu referencial. O computador opera uma convergência, desloca os tempos do pensar e do fazer para um tempo e espaço simultâneos em que todos os conhecimentos podem participar na consecução da experimentação e da reflexão. Dessa convergência, participam as ciências e as tecnologias que, transformadas em matéria numérica, tornam-se virtualidades passíveis de atualização, linguagens postas em relação na base digitalpara a produção de significados.

Talvez seja a constituição polissêmica que permite uma ‘estranha identificação sem reconhecimento’ às realizações do virtual, como menciona Lucrécia D’Aléssio Ferrara ao tratar da imagem virtual. Ampliando suas premissas para a noção de virtual como base (i)material da computação, nesse universo dialógico e relacional entre memórias codificadas e virtualidades pressentidas e imaginadas na interação entre emissor / receptor e máquina, o processo incide sobre a natureza da linguagem, produz-se um estranhamento tecnológico [FERRARA, 1998: 8-9]. Se a imagem virtual está ‘além dos olhos’, os ‘olhos da mente’ encontram nela sua extensão.