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DO MECÂNICO AO MAQUÍNICO
ou da imagem-máquina ao pensamento-máquina



PERPLEXIDADE E INDAGAÇÃO
Não está entre as pretensões dessa investigação fazer apologia das tecnologias digitais nem se render em deslumbramentos por suas realizações. Se por vezes parece estar em defesa dessas tecnologias é porque também se baseia na convicção de que a informatização não encarna a instauração do esvaziamento crítico capaz de aniquilar todos os valores da cultura. Ao contrário, instaurou novos patamares para a produção do conhecimento. Também não há a intenção de valorizar o novo simplesmente pelo sentido de novidade, desqualificando tudo o que lhe seja anterior, em detrimento das tradições e dos conceitos estabelecidos. Pelo contrário, o intento dessas considerações é encontrar as possíveis relações entre a arquitetura como fato cultural e a evolução do conhecimento científico e da capacidade tecnológica que permitiu construir máquinas numéricas como sistemas significantes. Pois se essas máquinas têm o poder transformador que se proclama é preciso compreender e seguir seus passos para que se possa instalar o debate a partir do ponto de vista da arquitetura.

Frente à tecnologia informática e digital, a arquitetura pareceu partir em defesa da própria atividade do arquiteto, de sua identidade como artista criador, sua singularidade intelectual: o desenho. É o desenho que define o arquiteto como artista singular, é através dele que o artista se comunica, é sua linguagem. Não qualquer desenho, mas o desenho sobre o papel, sobre o plano bidimensional, o croquis por onde corre o pensamento. O arquiteto pensa pelo desenho, pensa desenhando. Nunca se viu ninguém questionando, a ponto de negar, a natureza do suporte, ou dos instrumentos de desenho, caneta, nanquim, grafite, ou mais, as questões ideológicas embutidas nas tecnologias do desenho, a geometria, a perspectiva, os cortes e as plantas. Pois se o desenho, como diz Mario de Andrade [1965: 69-77], é uma arte intelectual mediadora do espaço e do tempo, um fato aberto, uma transitoriedade, nada mais transitório do que as interações elétricas entre 0s e 1s no espaço dinâmico das simulações e virtualidades do suporte digital.

O temor pela perda da autonomia, do controle de sua singularidade identificadora, levou a arquitetura a colocar o computador como par excludente e opositor ao desenho. Foi então disseminada a crença de que não é possível desenhar com o computador. Logo, o computador roubará o lugar do desenho. Assim como Arlindo Machado [1993: 235-251] mostrou que as civilizações indígenas temiam ter seu carom (seu espírito) aprisionado através da imagem roubada pela câmera fotográfica, o computador seria a máquina de aprisionar a alma dos arquitetos, da arquitetura que seria roubada pela tecnologia digital.

Duas questões surgem desse breve panorama, cada uma se multiplica e se desdobra em uma série de outras perguntas que procuram circunscrever o papel do digital para a arquitetura contemporânea. A primeira questão parte do papel dos meios digitais na produção da arquitetura contemporânea: pensamento e gênese. A segunda diz respeito à compreensão desses meios por arquitetos e sua apropriação para o ensino da arquitetura.

Desdobrando a primeira questão aparecem outras indagações. Frente à presença crescente dos meios digitais de processamento de informação na arquitetura, seria possível tomá-los como caracterizadores da produção contemporânea, na medida em que a produção se faz por simulações e interações, num processo dialógico que faz convergir modelos das várias ciências, possibilitando a criação de formas e espaços de grande complexidade? Que transformações esses meios imprimem no processo de criação, na concepção do projeto, na idéia de espaço e forma, na construção da arquitetura como disciplina e como realização? E como se deu a concretização do digital como possibilidade de linguagem que faz a mediação com a experiência e o conhecimento? O digital representa de fato uma ruptura com a arquitetura do passado? Esse suporte provoca de fato um impacto? Em que medida? Há antecedentes dessa tecnologia? Quais seriam? Quais suas raízes?

A segunda questão se desdobra nas indagações sobre a existência de uma resistência por parte dos arquitetos com relação ao digital. Por que a limitação desses meios à otimização da produção de plantas, cortes e outros documentos baseados no desenho como código expressivo? Por que recusar sua utilização como instrumento para pensar a arquitetura? Por que se considera impossível utilizá-lo para projetar, para criar? Por que os recursos digitais estão associados à idéia de dano, de perda da capacidade criadora? Por que não explorar suas possibilidades no ensino da disciplina, nos processos de criação? A questão se redobra sobre a primeira, pois suas explicações seriam prováveis indicações para outras possibilidades de compreensão e utilização dos meios digitais.

O MOMENTO DE EXPLOSÃO
Procurando dar um sentido crítico ao sentido de impacto das tecnologias da informação digital na cultura, Laymert Garcia dos Santos [2003: 82] indaga sobre a dimensão e o alcance de um possível rompimento com o passado promovido pela tecnociência. Caso se trate de uma ruptura tão drástica a ponto de anular o quadro referencial a partir do qual se organiza a experiência, com que conceitos pensar sua especificidade? Antes de prosseguir com as indagações em busca de respostas para pensar a condição atual, parece ser fundamental esclarecer a postura, em geral, frente às tecnologias de informação digital. Como vêm chamando a atenção alguns pesquisadores, as tecnologias informáticas, numéricas ou digitais são, com grande freqüência, chamadas de novas e têm sido invariavelmente associadas à idéia de impacto. Como diz Irene Machado [2005] defensores e detratores dispensam tratamento comum quando se trata dessas tecnologias.

Pierre Lévy [1999: 21-30] diz que o uso corrente da idéia de impacto das novas tecnologias advém da comparação com a imagem de um projétil, que parte abruptamente e encontra repentinamente um alvo e causa efeitos imprevistos. Como se as tecnologias não fossem imaginadas, fabricadas e reinterpretadas pelo uso, ao longo do tempo. Como se o digital fosse uma tecnologia sem história que teria autonomia em relação à sociedade e à cultura. Talvez, diz Lévy, um agravante na dificuldade de análise e compreensão das tecnologias da informação resida na ausência radical de estabilidade, promovida por alterações e inovações constantes.

Dois pontos merecem atenção nesse tratamento dado às tecnologias digitais. Primeiro a idéia de novo, de que essas tecnologias, apesar de consolidadas no tempo, ainda são consideradas novas. Sua estrutura de funcionamento permanece a mesma desde que foram construídos os primeiros computadores e suas bases conceituais e matemáticas têm uma longa história que remete a Arte Combinatória de Leibniz. As tecnologias numéricas são tão antigas quanto ou mais que as tecnologias para formar imagens, o digital tão antigo quanto a gênese das escritas. As primeiras máquinas que traduziram informações em dígitos foram construídas por volta dos anos 40, mesma época em que foram realizadas as primeiras experiências com os transmissores de imagem televisiva. Os computadores pessoais iniciaram sua popularização na década de 70, mesmo período da disseminação do vídeo cassete e da câmera portátil de vídeo. Nem por isso se qualifica a televisão ou o vídeo como novas tecnologias. Apesar do uso corrente dos computadores nas esferas do trabalho e da educação, mesmo com a multiplicação de ferramentas digitais de uso cada vez mais cotidiano, essa impressão do novo talvez advenha da convergência dos meios promovida pelo digital que imprime sempre novas configurações a outras tecnologias.

Segundo, a noção de impacto. É preciso concordar com Irene Machado [2005] quando defende a necessidade de rever os conceitos e ponderar os sentidos do campo semântico no emprego tão genérico do termo. Ela explica que o significado de impacto está vinculado a noção de força. Passando para o campo bélico, se associa ao choque de um projétil contra um corpo ou superfície. Assim, a ação do impacto procede do exterior para o interior, sem mediação, ação que causa reação imediata. O impacto da tecnologia, aplicado a esferas tão heterogêneas como o ambiente (impacto ambiental no sentido de dano) e a saúde (próteses no sentido de impacto positivo), esvazia de sentido o objeto a que se refere. É preciso questionar, portanto, como a ação de algo exterior, lançado como um projétil sobre um alvo, pode ter uma duração tão prolongada? Será que as tecnologias de informação e a digitalização dos meios de representação ainda são capazes de causar impacto depois de três décadas de presença? Quanto tempo pode durar um impacto?

Uma abordagem diferente pode ser encontrada nos estudos do semioticista russo Iuri Lotman, conforme apresentada por Irene Machado [2003; 2005]. Lotman diz que os produtos das transformações dinâmicas dos processos culturais resultam de momentos explosivos instalados no interior de processos de desenvolvimento gradual. Seu conceito de explosão recorre à metáfora do big bang, marco da expansão do universo, momento explosivo, atemporal e plurissecular, estalo que vem do passado e contém todas as possibilidades de futuro, transformando inexoravelmente a rota dos acontecimentos.

Explosão como expansão, processo gradual, relacional e dialógico com os elos do sistema em que se insere. É possível considerar a cultura contemporânea como um momento explosivo uma vez que as tecnologias digitais criam relações dialógicas com o passado e apontam possibilidades de um futuro aberto e indeterminado. A explosão como desenvolvimento acelerado de sistemas, abriga radicais transformações no interior da cultura promovendo a expansão dos sistemas e não sua destruição. Pensando nas tecnologias digitais, a escrita seria o componente mais explosivo do sistema. Se a cultura letrada explodiu com a oralidade, em tempos de informação eletrônica a escrita se expandiu em sistemas notacionais e em sistemas numéricos, caso da digitalização [MACHADO, 2005]. Assim ocorre com a arquitetura que, imersa na digitalização, faz explodir a analógica da percepção pela numerização do corpo, pela informatização da experiência geométrica do espaço, agora transformados em linguagens.

OS CAMPOS POSSÍVEIS DA INFORMAÇÃO DIGITAL
Nesses momentos de explosão, segundo o conceito de Lotman, a humanidade se reinventa. Lévy considera que o momento atual seja uma dessas épocas limítrofes em que toda a ordem de representações e saberes oscila e se transforma dando lugar a outros modos de desenvolvimento e conhecimento ainda não estabilizados [LÉVY, 1993: 17]. Assim, numa abordagem econômica, é possível compreender os modos de desenvolvimento como arranjos tecnológicos em que a força de trabalho atua sobre a matéria no processo de produção. No modo industrial, o aumento da produção se baseia na introdução de fontes de energia e na qualidade de seu uso. No modo informacional, a produtividade se baseia na qualidade do conhecimento. Tecnologia é exatamente isso, uma vez que tecnologia é o uso de conhecimentos científicos para especificar maneiras de fazer de um modo reprodutível. O que é específico do modo informacional de desenvolvimento é que o conhecimento intervém sobre o conhecimento em si para gerar maior produtividade; o conhecimento que gera conhecimentos novos é a fonte da produção e da produtividade. O modo informacional é orientado para o desenvolvimento da tecnologia, isto é, para o acumulo de conhecimento [CASTELLS, 1989: 2-12].

Desse modo, ainda segundo Castells, se instaura outro paradigma tecnológico caracterizado por dois aspectos fundamentais: primeiro as tecnologias estão direcionadas para o processamento de informação, tanto a matéria prima quanto o produto são informação em si; segundo, os principais efeitos das inovações tecnológicas recaem sobre o processo e não sobre o produto. Isso também ocorreu com as outras duas revoluções industriais, que se organizaram em torno da máquina a vapor e da eletricidade. O foco era a energia que transformou os processos de produção e gerou novos processos de comunicação.

Trata-se de uma economia do desempenho e não da produção. As tecnologias digitais informáticas concebem conhecimento e pensamento como acumulação e troca, comunicação. Pensar vai além de comunicar e pressupõe em relação à informação uma inteligência capaz de distinguir os falsos problemas. As máquinas informáticas passam a parecer mais importantes que a língua e o indivíduo. Assim, Freud e Saussure cedem lugar a Turing – logicismo filogenético com concepção de máquina e a Von Neumann – primeiro computador numérico, o que confere à informação a impressão de ser mais do que de fato é: um tipo de poder, uma forma de criar riqueza e miséria. Se as tecnologias podem determinar os campos de possíveis da subjetividade, o importante é saber como e onde o digital se insere permitindo criar possibilidades [RAJCHMAN, 2000: 400-406].

Durante décadas, uma série de inovações científicas e tecnológicas convergiu para determinar esse outro paradigma tecnológico: o transistor (1947), o circuito integrado (1957), o microprocessador (1971), as técnicas de divisão de genes (1973) e o microcomputador (1975). A disseminação dos computadores, a revolução no processamento de informações, a variedade de aplicações em softwares e hardwares, a difusão desses avanços através das telecomunicações, que permitiram conexões e sistemas de rede, a aplicação dessas tecnologias em sistemas CAD e CAM transformaram a produção e permitiram o desenvolvimento de novos materiais. Tudo isso possibilitou perceber a vida viva como informação em si, uma vez que a biotecnologia aproveitou a capacidade de análise e armazenamento de informações para decodificar e reprogramar o código genético [CASTELLS, 1989:12].

A única ‘coisa’ que conta na nova ordem é o que pode ser capturado da realidade e traduzido numa nova configuração, ou seja, informação [SANTOS, 2003: 84]. Nessa condição estão construídas a cultura, as ciências e as tecnologias, por uma operação comum de tradução do mundo em termos de codificação, isto é, a busca de uma linguagem comum na qual toda a resistência ao controle instrumental desaparece e toda a heterogeneidade possa ser submetida à desmontagem, à remontagem, ao investimento e à troca [HARAWAY, 2000: 70]. Isto remete à arte combinatória de Leibniz, que esboçou os pressupostos da linguagem simbólica contemporânea, um conjunto de símbolos que, segundo Michael Heims [1991: 67-69], formava uma linguagem elétrica e que estaria na gênese de toda a linguagem de computação. Linguagem universal que poderia reduzir todos os problemas da humanidade aos mesmos símbolos, foi a base para o desenvolvimento da lógica dos conjuntos de Boole, aplicada por Shannon à teoria da informação e utilizada por Von Neumann para construir o primeiro computador.

TOMADA DE POSIÇÃO DA ARQUITETURA
Se, como dizem Deleuze e Guattari [1992: 237-240], a arte começa de fato com um animal que recorta um território e faz uma casa, colocando desse modo a arquitetura como primeira das artes, talvez se possa compreender porque surge uma polêmica a cada tentativa de estabelecer a peculiaridade da arquitetura no campo da cultura, pensando-a em um contexto amplo, como resultado do cruzamento de discursos e visões de mundo, em sua relação especular com outros campos do conhecimento [GUERRA, 1993]. Como se trata da primeira das artes, pode ser que esconda em seus meandros um certo sentimento de autonomia, que outorgaria o direito de não dar satisfação a nada nem ninguém, estando acima de todas as coisas.

Não seria diferente ao se colocar a arquitetura em relação às tecnologias da informação. Se de fato a informação é a chave da economia de hoje, é preciso levar em conta que a informação é a única substância que cresce com o uso, em vez de decrescer, como acontece com os recursos naturais. Uma definição atual da economia da era da informação seria ‘economia de abundância’ [KERCKHOVE, 1997: 95]. Otília Arantes lembra a identificação congênita da arquitetura do Movimento Moderno com a abstração capitalista. Citando Tafuri, realça que a arquitetura ao se ligar à realidade produtiva aceita a sua mercantilização, integrando eficazmente o design a todos os níveis de intervenção, em um projeto destinado a reorganizar a distribuição e o consumo do capital [TAFURI apud ARANTES, 1993: 56].

Ainda segundo Arantes, cabe perguntar se a arquitetura a partir dos anos 70 não é conseqüência do movimento moderno que tendo exaurido a energia utópica, se fez sobreviver como forma à função extinta [ARANTES, 1993: 84]. Assim também entende Peter Eisenman [1976] ao defender um pós-funcionalismo no lugar do pós-modernismo. Para ele, a estandartização e os processos tecnológicos são usados para criar a possibilidade de um excesso que hoje reside no capital. Sugerir a possibilidade de um excesso no objeto, na arquitetura e no espaço, que requeira uma mudança radical nos modos de produção existentes de fabricação e consumo, se converte em um ato político [EISENMAN, 1997: 35].

Desde o Renascimento, a arquitetura sempre olhou para as ciências procurando formalizar conceitos através da linguagem da forma e do espaço. Talvez a dificuldade em encarar o material numérico esteja em sua extrema complexidade que já apresenta determinadas interpretações do mundo, formalizadas pela linguagem da racionalidade do cálculo. Mas não parece possível, como aponta Couchot [2003: 287-288], que o arquiteto deixe de fazer uma reflexão sobre essa convergência das ciências na esfera da linguagem numérica, da digitalização da informação. Essa reflexão necessária e já tardia requer uma tomada de posição estética e ética, uma abertura para um universo a descobrir e transformar ao invés de especialização tecnológica ou científica.

O problema colocado pelo numérico se situa entre a tradição e a inovação de uma sociedade que procura manter seus sistemas de regulação e a necessidade de adequação à revolução tecnológica irreversível que impõe a reorganização desses mesmos sistemas. Uma sociedade dividida entre o tempo da história que demora e o tempo real e febril, das trocas dialógicas. Uma sociedade despedaçada entre a reflexão e o reflexo. A arte como espaço da reflexão crítica deve manter suas diferenças com a ciência e a tecnologia, substituindo suas certezas pelas incertezas da sensibilidade [COUCHOT, 2003: 305-309].

A apropriação do presente pelo futuro, segundo Santos [2003: 114], está nos transportando para um espaço-tempo relativo, de invenção. A realidade ampliada desloca nossa realidade habitual, relativiza e abre possibilidades novas, certamente diferentes daquilo já experimentado. É preciso pensar que o atual e o virtual são como dois tempos diferentes que se tornam contemporâneos, forjando um espaço entre o presente e o futuro. Como se fosse um espaço fora do tempo, continuamente em formação, informação. Nesse intervalo, a partir dele, talvez seja possível captar o sentido das transformações no bojo da digitalização.

ARQUITETURA, CRÍTICA E MEDIAÇÃO DIGITAL
E essas transformações passam pela relação com as máquinas informáticas. Segundo Guattari [1993: 178-185] a relação com a máquina não é novidade, desde as sociedades pré-capitalistas, com suas máquinas sociais institucionalizadas, religiosas, militares, corporativas e os processos de desenvolvimento das cidades. Na revolução industrial, prevalece o predomínio das funções, capitalizando valores abstratos que incidem sobre o saber, a sobreviver em eterno retorno sobre si mesmo: a acumulação do saber pela difusão do texto impresso, a manipulação do tempo, a força mecânica. É preciso considerar que existe uma essência maquínica que irá se encarnar em uma máquina técnica, assim como no meio social, cognitivo, ligado a essa máquina – conjuntos sociais também são máquinas, o corpo é uma máquina, há máquinas científicas, teóricas, informacionais. [GUATTARI, 1992: 51]. Assim as máquinas constituem sistemas significantes que funcionam como instrumentos de mediação da cultura.

Com a mudança das ferramentas de representação da arquitetura, com a transformação do suporte em espaço dinâmico e interativo das simulações, a própria noção da arquitetura se renova, colocando em questão a posição do sujeito criador. O arquiteto deve enfrentar as máquinas para poder encontrar-se como sujeito. Para Guattari [1993: 177] a produção da subjetividade como processo singularizante e auto-referente, dependem cada vez mais de sistemas maquínicos, de assistência por computador. Se o resultado é uma aparente democratização do acesso aos saberes, é preciso, por outro lado, recusar o dilema da rejeição intransigente ou da aceitação cínica. Não faz sentido o homem querer evitar as máquinas mas é necessário perguntar por que as potencialidades processuais das máquinas informáticas só reforçaram os sistemas de alienação, a massificação midiática opressiva e as políticas consensuais. É preciso encontrar uma saída que “crie condições para o pleno desabrochar dos esboços atuais de revolução da inteligência, da sensibilidade e da criação”. Segundo Guattari, só uma “passagem da era consensual midiática a uma era dissensual pós-midiática”, permitirá que o planeta, vivido como inferno por 4/5 da população transforme-se em universo de encantamentos criadores. Aqueles ligados à idéia de progresso social devem se debruçar sobre essas questões [GUATTARI, 1993:187-191].

À arquitetura e aos arquitetos cabe descobrir os caminhos possíveis nos enredamentos maquínicos que permitam assumir sua vocação social. Parece urgente que o arquiteto encontre seu lugar como sujeito criador e crítico mediado por máquinas potencialmente criativas. Só assim poderá cumprir seu papel de construir os espaços que respondam às necessidades da coletividade e aos anseios de uma sociedade em constante estado de carência. Nos meandros das considerações dessa investigação, reside o intento de construir relações que facilitem a compreensão do suporte digital como mediação fundamental para a arquitetura contemporânea. Mediação que tem antecedentes nas tecnologias numéricas desde as técnicas do Renascimento. Desvendadas as barreiras, poderá surgir uma postura do arquiteto que remeta aos seus melhores momentos quando soube interpretar, representar e construir com as tecnologias disponíveis. Assim, nos movimentos sincrônicos da cultura, que se faz no avanço contínuo e gradual sobre bases que inventam novas configurações e traduções, é possível compreender a presença do digital nas práticas da arquitetura, não como ruptura, como impacto, mas como resultado de um momento explosivo da evolução de um pensamento sobre a forma, o espaço e a própria arquitetura.